terça-feira, 4 de novembro de 2008

Alto Surinamês

Não, não estou aprendendo surinamês. Ainda. Quero dividir com você uma reflexão que me foi instigada por um episódio do programa Passagem Para intitulado O homem que sabe javanês, gravado no Suriname. Lá, no Suriname, se falam três línguas: o surinamês, a língua do povo, falada nos mercados e nas ruas; o javanês, a língua falada entre familiares; e o holandês, fruto da colonização, a única ensinada nas escolas.

Pois bem. Durante o programa foram exibidos trechos de um casamento tradicional surinamês, que começa com o pai do noivo e a mãe da noiva recitando versos alternadamente. E é aí que surge o problema. Os versos recitados são em alto surinamês, e ninguém mais fala alto surinamês! Ninguém entende nem mesmo uma palavra!

Diante disso, pense comigo: como é que andará a integridade desses versos? Digo, se aparecesse um protofalante de alto surinamês, compreenderia algo? Se não, o que eles falam é alto surinamês? Mais ainda: é uma língua? Se a língua tem na comunicação seu único fim, como pensar o alto surinamês?

Gosto de pensar profundamente sobre essa questão. Que houve o alto surinamês é certo ou quase certo. Porém, e agora? Há? Há ainda uma expressão sua, ou mesmo um espectro, um fóssil, algo que traz a certeza indelével de sua existência no passado, um eco que a revive hoje. Dizia o magister: "o latim não está morto, ele vive nas línguas a que deu origem. Como poderia um tronco secar e vicejarem seus galhos?". De quando em quando os tradutores da Bíblia, sobretudo dos salmos, esbarram em algum termo ou construção em hebraico antigo ou em aramaico que simplesmente "não existe", então eles fazem conjecturas a partir do contexto, da tradição da Igreja e das versões dos escritos judaicos gregos.

Como pode o alto surinamês, uma língua que não existe, subsistir? Que força de palavras mágicas têm as fórmulas do casamento tradicional surinamês que faz com que "sobreviva" o alto surinamês, mesmo quando ninguém o entende mais? E, principalmente, se um dia o povo conheceu essa língua, onde foram parar as veias por onde corria o alto surinamês?

3 comentários:

Caio M. Ribeiro disse...

Mais importante: há verbos reflexivos em Alto Surinamês? Seus objetos dativos são preposicionados? Se houvesse uma Reforma Protestante II, haveria alguém que traduzisse a Bíblia para os mercadores do Suriname?

E o casal? É feliz?

Mirella Adriano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mirella Adriano disse...

E uma outra questão que também gosto de pensar: porque dizer em um casamento algo que os noivos não entendem? por que dizer algo que ninguém entende? a palavra é como um ornamento (excessivo) da confraternização nupcial? se for isso, que seja alto surinamês, baixo, médio, gordo, magro, o que for, um casamento que, além de flores, é enfeitado com palavas, deve ser um casamento bonito.

:}


SAUDADES!

(apaguei o anterior pq tava cheio de erro e deu vergonha)